sábado, setembro 18

Fenrir - VI

Faye cambaleou, deu alguns passos até a uma grande árvore que se erguia no meio da floresta. Encostou-se, com as costas contra o tronco e escorregou até ficar sentada no chão. Na sua mente a imagem de Killian, esguio, ágil, demoníaco com a luz a banhar o seu corpo. Com uma expressão que não conhecia, com uns olhos animalescos, as mãos como garras, o corpo numa posição estranha. Passavam-lhe pela cabeça todo o tipo de perguntas, escorria-lhe pela face um rio de lágrimas. "Faye!", gritava uma voz por de trás da penumbra da floresta. Uma figura aproximava-se a grande velocidade, seguida por mais figuras que também gritavam o nome de Faye. Surgiram do nevoeiro espesso que se erguera, "Faye, estás bem?". Faye olhou para Keith, escorriam-lhe lágrimas, tremia em desespero. "Ele já não é o nosso filho, Keith o nosso filho morreu." Keith agarrou na sua mulher, levantou-a agarrando-a num abraço sentido. Encostou a boca à sua cabeça e perguntou-lhe o que queria dizer com aquilo.

"Eu vi-o, ele esteve aqui mas não era ele, estava pálido, com uns olhos que não são dele. Ele correu para longe, e estava com um lobo. Fugiram os dois, mas o nosso filho não estava ali, ele nem veio ter comigo. Keith, não me estou a sentir nada bem..." As pessoas que estavam com Keith ouviram a conversa, olhavam umas para as outras, ouviam-se pequenos comentários sobre Killian. "Deixem-se disso!" gritou Keith, "estão aqui para isso? não me parece! Levem-na para casa, o resto vem comigo e vamos encontrar o meu filho". Um homem de meia idade chegou-se à frente, era o chefe da esquadra da policia. "Keith tem calma, estamos aqui para ajudar, mas tem atenção ao que dizes. Ainda nem passaram vinte e quatro e já tens uma equipa de busca. Mostra alguma gratidão e trata estas pessoas com respeito. "Tens razão Morris, pede que a levem por favor, e vamos continuar."

Três das pessoas da equipa de buscas levaram Faye para casa embrulhada num cobertor, caminharam até desaparecer na bruma da floresta. O resto do grupo continuou em frente, Keith e Morris lideravam o grupo, com eles ia também Will, um caçador experiente que fazia de batedor nesta busca. Will observava o caminho com uma lanterna, "passaram por aqui", dizia afastando um arbusto. Conforme se embrenhavam mais e mais na floresta o nevoeiro ia ficando mais espesso. A lua brilhava no céu estrelado, a sua luz iluminava o nevoeiro e tornava o caminho mais difícil. "Lembrem-se, todas as lanternas ligadas, se for preciso ponham a mão no ombro do vosso companheiro do lado, não se separem.", dizia Will em voz alta. Keith estava extremamente focado, queria encontrar o filho a todo o custo, as palavras de Faye não lhe saiam da cabeça. Onde estava Killian? Que história era esta de não ser o filho deles?

Faye caminhava no sentido oposto da equipa de buscas, acompanhada por três homens trilhava um caminho pouco evidente. "Mais devagar", dizia Faye tropeçando num galho. Dois dos homens eram seus vizinhos, o terceiro era policia. "Temos que nos despachar, se o nevoeiro fica mais denso não vamos conseguir chegar aos carros!" disse o policia pondo a mão nas costas de Faye e empurrando-a com um gesto menos cuidado. Faye tropeçou mais uma vez e caiu de joelhos deixando um dos sapatos para trás. Quando os seus joelhos tocaram no chão ouviu-se um segundo impacto e o homem que lhe tinha respondido caiu no chão. Estava inanimado, a sua cabeça não passava de uma grande poça de sangue. Os outros homens ao ver aquilo começaram a correr deixando Faye prostrada no chão, sozinha no nevoeiro da floresta. Na escuridão havia algo que se movia a grande velocidade, os dois homens caíram ao chão por entre dois sons que faziam lembrar gotas de chuva a cair.

terça-feira, setembro 14

Fenrir - V

Eventualmente a família Lowland ultrapassou o fatídico dia em que Keith perdera a cabeça. Keith admitiu todas as suas falhas, naquele momento pensou em tanta coisa, sentiu tanta confusão e fúria que não conseguiu evitar o que sucedera. Não foi fácil voltar a estabelecer contacto com Killian, apesar de ter ficado apenas umas horas fechado no escuro. O comportamento de Keith tinha deixado marcas muito profundas no seu filho. Faye demorou alguns dias até voltar a dormir com Keith, ficava sempre no sofá da sala a fazer festas no cabelo de Killian que se enroscava como um cachorro a ver televisão até adormecer. O tempo passou, mas Killian nunca esqueceu, se antes havia uma relação difícil entre pais e filho, agora havia uma tensão latente. O casal já dormia junto mas o seu filho não era o mesmo. O casal nunca mais tocou no assunto, os eventos passados permaneceram tabu, enterrados em cada um dos três. Como resultado directo da terrível noite Killian fechou-se ainda mais, agora já não interagia com os cães e não saia do seu quarto, limitava-se a olhar para a floresta pela janela.

Era de noite, quando Faye ouviu os cães latir. Levantou-se da cama e espreitou pela janela do quarto que dava para o jardim. No jardim estavam Freki e Misha num frenesim de uivos e latidos direccionados para o outro lado da cerca. “Chiu, calados…o que é que se passa?” disse Faye abrindo a janela, nesse momento Keith acordou e juntou-se a Faye. “O que é que os cães têm?” perguntou Keith. “Não sei, mas seja o que for é do lado de lá da cerca.”. O dois vestiram os seus robes e foram ao quarto de Killian para ver se este também estava acordado. Assim que abriram a porta repararam que a janela estava aberta, quando olharam para a cama encontraram-na vazia, Killian tinha saído de casa. “Oh não, o meu bebé fugiu…Keith o nosso filho fugiu”- “Calma Faye se calhar foi ter com os cães”.

Desceram as escadas rapidamente e correram em direcção ao jardim, os cães estava exaltados, desorientados, e Killian não se encontrava em nenhum lado. Preocupados telefonaram para a policia para que fosse organizada uma procura, depressa uma multidão de gente apareceu para ajudar. A noite foi passada com ânimos altos, por todo o lado ouvia-se o nome de Killian entoado como um coro de igreja desorganizado. Os Lowland abandonavam a esperança de encontrar o seu filho com vida, com as dificuldades dele era difícil sobreviver na floresta e ainda havia a hipótese de se encontrar com os lobos, temiam pelo pior. “Faye vai dormir, nós vamos continuar mas tu precisas de descansar.” Disse Keith. “A culpa é tua Keith, porque é que lhe bateste? Ele não sabe o que faz.”- “Faye não me lembres disso, achas que não me sinto mal? Tínhamos concordado não falar mais sobre isto! Estou mais que arrependido pelo que fiz e se pudesse voltar a trás eu…eu…”soluçou Keith por entre lágrimas. Faye afastou-se e correu pela floresta a dentro em desespero. Passou algumas árvores, atravessou um arbusto e subitamente parou. À sua frente estava uma figura pálida e nua, era Killian.

A lua cheia mostrava o seu corpo magro mas atlético, os seus músculos era definidos. As corridas e brincadeiras com os seus amigos esculpiram-lhe o corpo. Cara a cara com Killian estava outra figura, num primeiro olhar Faye pensou que fosse Fenrir mas era impossível pois Fenrir estava morto. Faye ficou imóvel e sem reacção, encontrara Killian e este estava acompanhado por um lobo, um lobo adulto de porte considerável. “Killian?” gritou Faye “Killian vem até mim meu filho” continuou estendendo os braços. Killian e o lobo olharam para Faye e depois começaram correr em direcção ao coração da floresta, as duas formas acabaram por ficar ocultas pela sombra lunar dos altos pinheiros e eucaliptos da floresta.

sábado, setembro 11

Fenrir - IV

Keith perdeu a cabeça, correu para o interior da casa e voltou com duas trelas à volta da mão direita. Abriu a porta do quintal com toda a força e saiu de rompante. Agarrou na mangueira, rodou para ter pressão máxima e abriu a torneira. A água saiu disparada, Keith apontou para o filho e para os dois cães que rapidamente dispersaram. No meio da confusão arrancou a correr, com uma das trelas prendeu Misha à casota. Com a outra prendeu Freki, que tentava fugir à volta da árvore. Killian estava de joelhos, não aparentava nenhum comportamento agressivo nem qualquer vontade de reagir. "Keith o que é que tu vais fazer?!", disse Faye entrando no quintal. Keith olhou para ela, em seguida foi em linha recta passo ante passo até Killian. Implacável, levantou a mão direita e com as costas da mesma deu uma bofetada ao filho. Fora a primeira vez, o quebrar de uma das regras que o casal tinha estabelecido. Killian caiu para trás, os cães ladravam e puxavam as trelas mas sem qualquer sucesso de se soltarem. "Keith!", gritou Faye correndo para o filho, "Ele não tem culpa, pára!"

Keith não ouviu, tremia compulsivamente num acesso de raiva que não acabava. "Já vais ver", disse estendendo a mão para o filho. Killian reagiu de imediato, saltou para a frente e cravou os dentes na mão do pai. Keith não reagiu à dor, com a outra mão agarrou nos cabelos do filho que imediatamente o largou. "Keith, larga-o! Só estás a piorar as coisas, pára". Não havia nada que Faye pudesse fazer, Keith tinha uma expressão que não conhecia, não sabia o que esperar, não sabia o que fazer. Estava petrificada com aquela situação. De baixo da lua, os olhos de Keith brilhavam, o resto da cara era apenas escuridão. Como se nada fosse arrastou o filho para dentro de casa puxando-o pelos cabelos, Killian esperneava e fazia todo o tipo de grunhidos enquanto se tentava soltar. Faye não queria acreditar, sem forças caiu de joelhos no quintal, começou a chover.

Keith arrastou o filho pela casa, levou-o escadas a cima, sempre pelos cabelos. Killian cravava as unhas no chão. ainda ensanguentado na boca e no pescoço parecia um animal. Chegaram finalmente ao sótão, Keith abriu a porta com um pontapé e sem sequer olhar para o filho atirou-o lá para dentro. Não acendeu a luz, não disse uma palavra, sem mais atirou o filho para a escuridão. Fechou a porta, deu duas voltas à chave e foi sentar-se no alpendre à porta de casa. Chovia agressivamente lá fora, os cães ladravam, Faye ainda estava no quintal e Killian investia contra a porta uma e outra vez.